PALITAR OS DENTES
Uma das coisas mais interessantes, disto tudo que nos está a acontecer, é o contraste entre dois movimentos de ideias antagónicos, pelo menos a um primeiro relance do olhar.
Por um lado, durante anos, definitivamente durante os últimos anos, as pessoas fartaram-se de insistir na necessidade do diferente e do novo, em encontrar a novidade, em reinventar toda e qualquer coisa.
Quase que era, pelo menos até pouco antes do confinamento forçado, proibido falar em continuidade.
Entretanto, quase que de repente – e não foi, porque a gente, metida em casa durante semanas, perde a noção do tempo e acha que já foi há mais de vinte anos – eis que, desde a comunicação social à conversa do dia a dia ou às entrevistas de alguém com responsabilidades, se começam a ouvir frases como “regressar à normalidade” e a perguntar quando é que as coisas voltam ao que eram.
Por outro lado, diversas entidades e organizações internacionais ou nacionais, e dirigentes diversos, trilham outros caminhos, sobretudo nas suas intervenções e discursos, como os de acelerar a descarbonização, os de procurar encontrar e legislar sobre éticas produtivas diferentes, sobre o produzir, com novas técnicas, inclusive novas formas de proteína, produzida em laboratório, etc.
No meio disto tudo ou, melhor dizendo, sem se importarem com nada disto, as árvores lançam folhas, as minhas galinhas têm pintos, os pombos do jardim de Angra continuam a insistir em ir dormir para os edifícios em volta, e as nêsperas vão amadurecendo… Ah! Esquecia-me disto! São mais que muitas as águas vivas, caravelas portuguesas e afins, a dar à costa das ilhas.
Estamos, portanto, vistas as coisas assim, entre o novo e o velho, entre o querer regressar à segurança do antes e o achar que o futuro é que manda.
Porque é, então, este título?
Porque dei em reparar que tenho alguns paliteiros antigos, de porcelana, faiança e prata, alguns, até, feitos aqui nas ilhas, na Lagoa e em Angra, que tem uns buraquinhos nas costas, no dorso, na sacola ao ombro, etc., para se meter lá os palitos.
Palitos que eram feitos a canivete, comprados ao molho e metidos, também, em peças de forma prismática, que tinham um furinho, ao lado.
Hoje os palitos vêm higienizados, metidos cada um num papelinho hermético, em caixinhas especialmente feitas, e essas peças de escultura e design que tenho, acabam por figurar mais como decoração.
Claro que, de vez em quando, uso um. Tiro dos invólucros individuais alguns palitos, coloco nos buraquinhos, vai a peça acima da mesa em dia lembrado, mas, terminado o repasto, os palitos são reciclados em brincadeira ou em ajuda das acendalhas da lareira…
Lembrei-me disto tudo, enquanto pensava até que ponto vamos ter de continuar a reinventar o quotidiano, não porque ele vá ser muito diferente, mas porque o nosso dia a dia, tal como no sismo de janeiro de 80, nunca mais voltará a ser igual, embora não vá ser muito diferente, também.
Temos é de saber reinventar.
NOTA: Nada como iniciar o “desconfinamento” podendo visitar um museu, no seu dia mundial: o 18 de Maio!