AS CASAS DAS VACAS FELIZES 2

 


Este texto foi publicado, originalmente, em 2016. Continuam a crescer, além das de ordenha, os estábulos. Peço-vos que releiam e, a quem decide, que preste atenção.

“Refiro-me à proliferação de salas de ordenha e doutras muitas casas que têm nascido por essas ilhas, quer pelo seu impacto na paisagem quer pelo seu impacto na coerência de uma imagem que se escolheu e se pretende consolidar, penso eu…

É que isto de uma Região arquipelágica que se resolve a ser um lugar “certificado pela natureza” é uma coisa complicada. Porque as pessoas estão cada vez mais conscientes do que têm diante dos olhos e abandonam muito rapidamente o que pressentem como incoerente.

Ora, se por um lado sei que algumas ilhas têm, desde há muitas décadas, “casas das vacas”, sobretudo em zonas onde a maior humidade e pluviosidade leva a ser preciso arrumar os animais, de modo abrigado, durante os dias e ocasiões de maior intempérie, é muito mais verdade que isto de estabular os bichos ou de os arrumar em casas tem pouco a ver com a fotografia das “vaquinhas poeticamente espalhadas pelos campos verdejantes”.

Por outro lado, a proliferação de pavilhões não abona muito a favor da paisagem que se quer arrumada para fotógrafo fotografar e, em alguns casos, a questão é mesmo de bradar aos céus.

A imagem que a Região escolheu, e bem, implica, como todas as coisas, que as escolhas não se fiquem apenas pelo politicamente correcto.

Cada turista que aqui vem torna-se um potencial comprador de produtos nossos, quando e se os vir na terra dele, e é muito complicado dizer que a natureza nos interessa, que a ecologia nos interessa, que a sustentabilidade natural nos interessa, para, depois, a gente fazer um bocado gato-sapato disso e ir no sentido contrário.

Quando a gente tem à mesa um casal que olha de lado a fruta na mesa, mas, depois de se dizer que o que lá está é local e produzido com cuidados de agricultura orgânica, os vê saltar e quase limpar o prato, percebe que isso do certificado pela natureza não pode ser apenas um cartaz de propaganda.

Quando a gente ouve a pergunta sobre se o leite é UHT ou não, pois se for UHT nem lhe tocam, mas se for do dia bebem e felicitam pelo sabor, fica sem perceber porque é que o leite do dia quase desapareceu das linhas de produção de ilhas como a Terceira, excepto de alguns nichos de mercado e percebe que as coisas não podem ser vistas nem feitas em modo borboleta saltitante, ajeitando a verdade conforme as conveniências.

Regressando às casas das vacas, importa perceber-se, desde quem governa a quem pede subsídios, que se essas casas continuarem a proliferar, sem tento nem medida, estamos no bom caminho para dar mais um tiro no pé e dos grandes, pois a nossa pecuária torna-se muito mais igual à dos outros e deixa de ter a diferença que eles procuram, seja cá como turistas seja lá como compradores.

A coerência de imagem e de conteúdos, de práticas e de resultados, é relevante se quisermos ter um lugar ao Sol nesta economia global onde a qualidade local é cada vez mais procurada.”

Publicado, em forma impressa, no Diário Insular e no Açoriano Oriental de Sábado, 30 de Janeiro de 2021