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NÃO HÁ PAI! /THERE IS NO FATHER!

 

Uma vez, já lá vão décadas, escrevi que os portugueses eram um povo “eternamente” carente de pai, fosse ele rei, presidente, ditador.

O COMÉRCIO DO PORTO - Porto - 26.4.1974

De um ponto de vista simples de cronologia e sendo que o escrito foi feito na década de 1980, as contas do tempo são fáceis de fazer. Desde Afonso Henriques a 1820 temos uns 680 anos de governação “paternal” mais ou menos absolutista. Entre 1820 e 1910 temos, com alguns momentos de maior liberdade individual, 90 anos de governação liberal que, em boa verdade, teve muito de compadrio e de caciquismo.

Chegados a 1910 e percorrendo os tempos da Primeira República, até 1926, temos um enxamear de momentos contraditórios, alguns bem pouco democráticos, embora todos sob o manto da república. Foram golpes e golpes dentro de golpes, idealistas ultrapassados por golpistas.

Entre 1926 e 1933 temos a Ditadura militar, entendida pelos seus promotores numa perspectiva senatorial à romana, mas, evidentemente, uma ditadura. Foram mais 7 anos.

Desde 1933 a 1974 foi o Estado Novo, ou a Segunda República, com Salazar e Marcelo Caetano. O muito que se tem falado, mesmo que muito merecesse ser tratado, ainda ou também, deixa-me que apenas faça as contas. São mais 41 anos.

Desde 1974, mesmo incluindo o PREC, temos, até chegarmos a este “Ano I depois da Pandeia”, mais 47 anos, agora da Terceira República. Democráticos sem dúvida, cheios das inevitáveis contradições e compadrios, também sem dúvida.

Mesmo deixando de lado as minhas picardias, quanto às incongruências e contradições dos tempos republicanos, somando tudo e subtraindo tudo, a monarquia, ditadura e estado novo somam 818 anos e as duas repúblicas 63 anos!

Poderão dizer que a monarquia liberal de 1820 merece ser incluída. Aceitando-se isso teremos, mesmo assim, 153 anos de um parlamentarismo evidente, contra 728 de governos dominados por um poder absoluto ou quase.

DIARIO POPULAR - Lisboa - 25.Abril.1974


A figura tutelar de um governante, “como que de um pai, lá em cima”, que sabe, pode e manda, parece encastrada no mais interior da nossa massa encefálica, fruto, estou em crer, de todos estes séculos de evolução como país e é, porventura, uma das razões pelas quais não é fácil percebermos os nossos patrícios emigrantes, quando regressam ou visitam a terra de origem, vindos de lugares onde a responsabilidade de cada um é maior.

Falando de pai, não me refiro a Deus, refiro-me a esses seres que governam o nosso quotidiano terrestre e, porque os vemos assim, atiramos-lhes com todas as responsabilidades e vamos tomar mais um café, descansados do dever cumprido.

É bom ter um pai! É óptimo ter alguém a quem atirar com as culpas. Só que, num mundo democrático e livre, em que, segundo rezam as crónicas e as constituições, é em nós que reside o poder SEMPRE, nem os governantes nem os deputados são passa culpas que nos deixam livres, inocentes e de asas “brancas”.

Talvez, porque somos assim, também tenhamos dificuldade em entender o Deus cristão que nos entende como seres livres. É que, em democracia, não há pai! Somos gente de corpo inteiro, responsáveis pelas nossas asneiras e boas acções, todos os dias!

Feliz 25/4!

(segundo o texto publicado, no Diário Insular “Vela de Estai”, em 25 de Abril de 2021)

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 Once, decades ago, I wrote that the Portuguese were a people “eternally” in need of a father, be it king, president, dictator.

From a simple point of view of chronology and since the writing was done in the 1980s, time accounts are easy to do. From Afonso Henriques to 1820, we've got 680 years of more or less absolutist “paternal” governance. Between 1820 and 1910 we have, with some moments of greater individual freedom, 90 years of liberal governance, which, in truth, had a lot of cronyism and cacique. Arriving in 1910 and going through the times of the First Republic, until 1926, we have a swarm of contradictory moments, some quite undemocratic, although all under the mantle of the republic. There were blows and blows within blows, idealists overtaken by scammers.

O PRIMEIRO DE JANEIRO - Porto - 27.4.1974

Between 1926 and 1933 we have the military dictatorship, understood by its promoters in a senatorial perspective to the Roman one, but, evidently, a dictatorship. It was another 7 years. From 1933 to 1974 it was the Estado Novo, or the Second Republic, with Salazar and Marcelo Caetano. The much that has been said, even if much deserved to be dealt with, still or also, let me just do the math. It's another 41 years. Since 1974, even including PREC, we have, until we reach this “Year I after Pandeia”, another 47 years, now from the Third Republic. Democrats without a doubt, full of the inevitable contradictions and misdeeds, also without a doubt. Even leaving aside my picardy, as to the incongruities and contradictions of the republican times, adding everything and subtracting everything, the monarchy, dictatorship and new state add up to 818 years and the two republics 63 years! They may say that the liberal monarchy of 1820 deserves to be included. Accepting this, we will still have 153 years of evident parliamentarism, against 728 of governments dominated by absolute or almost absolute power. The tutelary figure of a ruler, “as if of a father, up there”, who knows, can and commands, seems embedded in the innermost part of our brain mass, the fruit, I believe, of all these centuries of evolution as a country and it is, perhaps, one of the reasons why it is not easy to perceive our emigrant patricians, when they return or visit the country of origin, coming from places where the responsibility of each one is greater. Speaking of father, I do not mean God, I mean those beings who govern our daily life on earth and, because we see them like that, we throw to them with all the responsibilities and there we go for another coffee, convinced of our done duty. It is good to have a father! It's great to have someone to blame. However, in a democratic and free world, in which, according to the chronicles and constitutions, power is ALWAYS in us, neither those who are in the government nor the deputies are the guilty ones, leaving us free, innocent and with “white” wings. Perhaps, because we are like this, we also have difficulty in understanding the Christian God who understands us as free beings. The fact is, that, in democracy, there is no father! We are complete and full-bodied people, responsible for our blunders and good deeds, every day! Happy 25/4!