URGENTE CONSTRUIR UM PONTO DE VISTA MARÍTIMO
Quem anda por estas ilhas ou nasceu nelas sabe que o mar existe. No mínimo é aquela coisa grande azul que nos rodeia o chão seco onde pomos os pés e, no máximo, é aquela coisa onde, dizem, se pesca o peixe que comemos e por onde chegam muitas das coisas que compramos e temos, quase tudo a bem dizer.
Tentei não ser mesquinho, mas acredito que será pouco mais
do que isto o conhecimento real, físico e palpável, que a maioria das gentes
tem.
Por outro lado, há toda uma construção, entre o poético e o
prosaico, que se encarrega de nos meter na cabeça, desde criancinhas de escola
primária (sei que hoje se designa básica e de primeiro ciclo, mas prefiro este
outro modo de dizer…) que o mar fecha, proíbe, encerra, tolhe, coarcta.
Percebi isso, de modo evidente e rápido, quando, numa sessão
recente sobre os 40 anos de Angra Património Mundial, se falou do mar. Alguém
falou do mar e ponto, outro comentou que o mar fechava e outra pessoa
contestou, referindo que Angra é o que é, na memória cultural colectiva da
Humanidade, exactamente porque é uma resultante do mar, do grande mar oceano
Atlântico, e dos seus caminhos.
Ora, como todos sabemos, se é que sabemos, estão a ser postas em prática uma série de orientações políticas, económicas e científicas que se diz serem voltadas para o mar.
Não vou abordar aqui que significados podemos incorporar
nisso de Economia Azul, qual a relevância do mar na protecção dos ecossistemas,
ou outras coisas assim. O ponto para o qual gostaria de chamar a atenção é para
o facto de, nestas ilhas, a começar, e neste país, a continuar, o mar, de
facto, não fazer parte do quotidiano. E devia! E deve!
A começar pela geografia dos lugares, onde as auto-estradas
do mar, entre as ilhas, despareceram e a continuar pela nossa imensa
incapacidade de olharmos o mar como ele é e sempre foi, para os portugueses e
para os ilhéus o elo de ligação mais forte que existe, o espaço de contacto e
de construção de elos entre culturas, lugares e modos de ser.
Talvez seja forte dizê-lo assim, mas, para um qualquer continental de raiz terrestre, o mar é quase o inimigo enquanto, de facto, não tem de ser assim, nem visto assim.
O mar, bem pode ser visto por uns como aquilo que divide e
separa, mas por outros, muito poucos infelizmente, também pode ser visto como
aquilo que une, amarra e permite a continuidade, a comunicação.
O que aflige qualquer um, neste momento em que se fala tanto de plataformas continentais, de zonas económicas exclusivas, de controlo de caminhos marítimos e, até, de cabos submarinos, é ver até que ponto o mar não faz parte dos programas de ensino, dos momentos de diversão, das ocasiões de arte ou de questionamento, como devia.
Devemos todos trabalhar sobre isso e apresentar propostas e soluções. Porque o mar que temos, por aí, ou separa ou une, e isso depende de nós, do nosso olhar, do modo como construímos a sua imagem na mente dos nossos conterrâneos, sobretudo dos mais novos, e como o incluímos nos nossos cálculos de vida e de futuro, desde o pré-escolar.
Mais mar é preciso! Urgentemente!